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Escolas estão pouco preparadas para bullies “que não sujam as mãos”

Psicólogo Eduardo Sá. [Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens]

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A eterna culpa que os pais sentem em relação ao filhos pode ajudar, afinal, a sê-los ” melhores pais”. O psicólogo Eduardo Sá crê que ela “acaba por ser um fator de equilíbrio que os ajuda, não os danifica” e traz ganho para todos: pais e filhos.

A propósito do mais recente livro que lançou, Adolescentes – Manual de Instruções, o especialista esclarece e responde por escrito à Delas.pt a algumas das questões que levanta no livro: da compreensão à assertividade por parte dos pais, do novo bullying exercido por classes privilegiadas e a que as escolas não estão a prestar atenção, passando pela pornografia e pela identidade de género.

Por um lado pede aos pais mais compreensão para com esta fase, por outro diz-lhes que sem assertividade absoluta será possível. Onde está o meio caminho?

Não se trata de assertividade absoluta, mas de convicções. Das dos pais em relação aquilo que querem da educação dum filho, na relação com a vida, o mundo e as pessoas. Da forma como assumem os valores da família e os recriam. O indispensável é que os pais assumam que não são nem imparciais nem são neutrais em relação aos movimentos do filho no sentido do seu crescimento. Os pais estão implicados nele! E, por isso mesmo, não é incompatível que sejam compreensivos (não tanto condescendentes) em relação às assimetrias típicas do crescimento dos adolescentes e, ao mesmo tempo, pais. Pais a tempo inteiro, mesmo quando os filhos medem um metro e noventa e calçam quarenta e tal. É urgente que os pais assumam que respeitarem um filho adolescente não significa encolherem-se em relação a tudo o que entendam ser o seu papel educativo. Por mais que os filhos os interpelem e explorem as incoerências entre aquilo que os pais exigem e aquilo que eles dão. Mas por mais que os pais sejam, hoje, felizmente, mais democráticos, é importante que não se desvalorizem enquanto tal, que não presumam que os adolescentes precisam menos de pais, e que os grupos de adolescentes e as redes sociais funcionam como uma espécie de família alternativa. Porque, ao agirem demitindo-se aos bocadinhos de serem pais, expõem os filhos a uma sensação de desamparo que eles escondem atrás de cada um: “Eu é que sei!”, com tudo o que isso lhes traz de equívoco e, até, de perigoso. Sempre que os pais e os adolescentes “chocam de frente”, isso implica que uns e outros se tentam articular entre pontos de vista diferentes. Lutando por pontes que permitam compatibilizar aquilo que os une com o que os separa. Com tudo o que isso tem de “fator de crescimento” para os filhos.

“O que me assusta, mesmo, são os pais que, quando eram adolescentes, cometeram todo o tipo de exageros (e que, enquanto pais de adolescentes, são muito exigentes e severos) e aqueles que, não tendo sido adolescentes, expõem os filhos precocemente para uma adolescência derrapante”

O que me assusta, mesmo, são os pais que, quando eram adolescentes, cometeram todo o tipo de exageros (e que, enquanto pais de adolescentes, são muito exigentes e severos) e aqueles que, não tendo sido adolescentes, expõem os filhos precocemente para uma adolescência derrapante (como se ela tivesse de valer para os filhos e para os pais, ao mesmo tempo). Agora, pais compreensivos e exigentes, receosos dos seus erros mas convictos, são, seguramente, bons pais.

E a culpa: como lidar com ela quando pesa o excesso de trabalho, a falta de rendimentos, por vezes o duplo emprego?

A culpa dos pais é uma “doença” muito democrática. Mas ela resulta, sobretudo, do desejo de estarmos em todos os lugares ao mesmo tempo. Atentos em relação a tudo o que eles fazem e a protegê-los. Sem férias, sem fins de semana e sem dias-feriado. E isso não é possível. A culpa dos pais é o quanto baste de sal que nos orienta e equilibra entre aquilo que sentimos que devemos exigir aos nossos filhos e a sensatez que eles esperam de nós. A culpa dos pais ajuda-os a escutar. E a colocarem-se no lugar deles. Viajando no tempo. Portanto, feitas as contas, a culpa dos pais ajuda-os a serem melhores pais, acaba por ser um fator de equilíbrio que os ajuda. Não os danifica. Com isso ganham os pais e ganham os filhos.

[Fotografia: Divulgação]
Sobre bullying, Eduardo Sá escreve no seu livro que “as escolas não atuam porque ainda imaginam que os verdadeiros bullies são crianças carenciadas, com insucesso escolar e de famílias problemáticas!” Porque subsiste este preconceito? O que tem de ser feito para contrariar? e com que urgência?

As escolas estão, ainda, pouco sintonizadas para um tipo de bullying diferente. Menos traduzido em ofensas corporais. Em nódoas negras. E em feridas. Agora, o bullying é, sobretudo, mais insinuado. Mais ameaçado. Mais próximo dos movimentos de exclusão dum grupo. Ou do mau-trato verbal. E por mais que as escolas estejam a par do bullying e de quem o promove, parecem não querer entender que aqueles que violentam, muitas vezes, não sujam as mãos. Manipulam. Instruem. Delegam em terceiros os seus gestos agressivos. Mas parecem não ter o protagonismo que o maltrato físico, dantes, teria. Seja como for, há crianças que no decurso dum ciclo escolar são atormentadas e maltratadas, um dia após o outro. E que, em consequência disso, alteram profundamente o seu comportamento. Deprimem. Passam a ter insucesso escolar, etc. E tudo duma forma súbita. Sob a preocupação mas também com a repreensão dos pais. Por vezes, comprometendo (de forma irreparável) o seu percurso escolar. E diante duma distração incompreensível por parte da escola que deveria merecer medidas urgentes de proteção claras e inequívocas. Que raramente, muito raramente, surgem.

Refere que o que o preocupa é que, “por omissão, se permita que os adolescentes saltem, muitas vezes, da identidade de género para a identidade sexual; sem passarem pela construção da identidade propriamente dita”. O que defende? Porquê? O que deve mudar? E em que sentido?

Que deixemos de ter sobre estes assuntos uma posição pouco clara. Fugindo, aparentemente, duma atitude homofóbica. Quando não é isso que estará à discussão. A educação para a sexualidade não pode ser nem educação moral e religiosa, parte 1. Nem educação tecnológica, parte 2. Mas não pode, também, ficar a cargo das redes sociais, com todas as distorções que isso traz, e com um silêncio estranho por parte das escolas e dos pais. São as transformações da adolescência que desafiam um adolescente para saber quem é. E nessas transformações é compreensível que, primeiro, a puberdade, depois, a adolescência e, finalmente, a descoberta da sexualidade, tenham uma preponderância grande na construção da identidade de género e da própria identidade sexual. Mas tudo isso precisa de tempo. E de contraditório. E é neste último aspeto que os adolescentes são deixados, perigosamente, entregues a si próprios.

Em gerações que começam a ser educadas aos 11 anos pela pornografia – segundo estudos recentes -, quais os novos papeis dos pais na educação sexual dos filhos? Como o fazer? O que mudar?

Como afirmei recentemente, é incompreensível que os produtores de conteúdos não sejam nem responsabilizados pelos danos que provocam, nem sejam forçados a criar barreiras (com já vai acontecendo nalguns países) para que a dependência digital dos nossos filhos não se torne quase incontrolável. Nem se entende que a exposição a conteúdos – quer sexuais, quer de violência, quer com opiniões de fação – que representam danos potencialmente irreparáveis para o seu desenvolvimento, sejam, ao contrário do cinema, “para todos”. Nem se pode aceitar que todas estas omissões, que comprometem a sua relação com os outros aos mais diversos níveis, não mereçam sequer atenção das autoridades sanitárias como se nada disso comprometesse a saúde mental das crianças. Da mesma forma, também os pais não podem – por distração ou por negligência – continuar a ignorar os riscos da exposição precoce dos seus filhos a redes sociais. Sejam sexuais ou outros. Que representa uma droga legal que gera um dependência digital alarmante que não podemos ignorar.

“Os pais não podem – por distração ou por negligência – continuar a ignorar os riscos da exposição precoce dos seus filhos a redes sociais. Sejam sexuais ou outros. Que representa uma droga legal que gera um dependência digital alarmante que não podemos ignorar”

De que forma e até que idade se pode preparar e educar uma criança para que tenha depois uma adolescência mais calma e segura de si? É possível? É desejável? Porquê? E como pode isso ser feito?

O crescimento é um continuum. A forma como os nossos filhos são crianças quando o devem ser ajuda-os a serem adolescentes quando é suposto que eles o sejam. Daí que não seja razoável preparar um filho para a sua adolescência. E, apesar de todos os saltos típicos que acontecem na adolescência, e considerando todos os desafios que esta fase lhes traz, a adolescência evidencia o seu equilíbrio e a sua resiliência. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com os adolescentes na pandemia. O importante é que os pais não vivam a adolescência em “modo de alarme”, como se representasse um tornado com hora marcada. Quanto mais os pais vivem a medo a adolescência dos filhos mais eles, os filhos, se sentem inseguros porque percebem que a segurança e a força tranquila que esperam dos pais não surge quando devia, que empurra os adolescentes para uma ideia sobrevalorizada das suas capacidades que não corresponde aquilo que um adolescente vale. Quanto mais “senhor do seu nariz” mais um adolescente esconde as suas fragilidades. Numa desenvoltura que corresponde mais a um traço de imagem do que aquilo que ele vale. O que não significa que esteja mais preparado para crescer. Preparar um filho para crescer é dar-lhe, sobretudo, tempo para que não cresça nem depressa nem precavido para as surpresas que só o crescimento lhe pode dar.